“Queres ser médico, meu filho? Essa aspiração é digna de uma alma generosa, de um espírito ávido pela ciência.(…) Mas, pensaste no que se transformará a tua vida?(…)Pensa bem enquanto há tempo. Mas se, indiferente à fortuna, aos prazeres, à ingratidão e, sabendo que te verás, muitas vezes, só entre feras humanas, ainda tens a alma estóica o bastante para encontrar satisfação no dever cumprido; se te julgas suficientemente recompensado com a felicidade de uma mãe que acaba de dar a luz, com um rosto que sorri porque a dor passou, com a paz de um moribundo que acompanhaste até ao final; se anseias conhecer o Homem e penetrar na trágica grandeza de seu destino, então, torna-te médico, meu filho.” (O Conselho de Esculápio)

“Prometo que, ao exercer a arte de curar, mostrar-me-ei sempre fiel aos preceitos da honestidade, da caridade e da ciência. Penetrando no interior dos lares, meus olhos serão cegos, minha língua calará os segredos que me forem revelados, o que terei como preceito de honra. Nunca me servirei da minha profissão para corromper os costumes ou favorecer o crime. Se eu cumprir este juramento com fidelidade, goze eu para sempre a minha vida e a minha arte com boa reputação entre os homens; se o infringir ou dele afastar-me, suceda-me o contrário” (Juramento de Hipócrates, 450 a.c)

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O quadro The Doctor, de Sir Samuel Lukes Fildes, é uma das mais significativas dentre as obras de arte, que representam com profunda inspiração o exercício da profissão médica.

O quadro fora encomendado pela rainha Vitória, por intermédio do Sir Henry Tate (1819-1898), que mantinha o contato com o pintor, e o deixou à vontade para escolher a temática da obra. O artista se inspirou numa tragédia pessoal vivenciada com sua família, quando, em 1877, seu primeiro filho, Felipe, morreu na noite de natal, em sua casa em Kensington. Outro Filho de Fildes que se tornou seu biógrafo escreveu: “O caráter, o comprometimento, e a atitude de imersão de seu médico, mantida em todo o tempo ante a ansiedade da família, causou uma profunda impressão em meus pais. Dr. Murray tornou-se um símbolo de devoção profissional que um dia iria inspirar a pintura de The Doctor” (Fildes, p.46). A obra fora concluída em 1891, e o intermediário com a rainha britânica, Sir Henry Tate fora posteriormente homenageado com a exposição desta obra na Galeria Tates, Inglaterra.

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Numa casa simples e rústica, ao alvorecer uma criança enferma, enfraquecida, adormecida e com um rosto pálido iluminado pela lâmpada de vidro sobre a mesa, se encontra debruçada sobre uma cama improvisada em duas cadeiras. O médico vestido com um terno, compenetrado, a observa ao seu lado, reflexivo e consternado. Aparentemente, absorto em pensamentos sobre os sintomas e os sinais da doença, sua evolução e curso, além de possíveis estratégias terapêuticas, muito escassas e pouco efetivas na época. Mas ali, debruçado sob um leito improvisado de dor, quase que como um artesão, o médico se mantém numa atitude comprometida, intuitiva, respeitosa e humana.

A extensão da doença da criança pode ser vista pela meia garrafa medicinal vazia sobre a mesa (detalhe 1), e da bacia e jarro (detalhe 2) usados para aliviar a temperatura da menina, no banco. Os pedaços de papel no chão (detalhe 3) poderiam ser prescrições feitas pelo médico. Ao fundo, num plano mais escuro, o pai do menino, de pé com a mão sobre o ombro de sua esposa (detalhe 4) cujas mãos estão entrelaçadas como se na oração, olha-se para o túmulo rosto do médico. Seu estilo de vida humilde é evidente desde o estanho, o pedaço de tapete no chão de pedra e suas roupas esfarrapadas. Fildes descreveu o eixo de luz do dia como significando a recuperação iminente da criança. Ele escreveu: “Na janela cottage a alvorada começa a roubar – o alvorecer, que é o momento crítico de todas as doenças mortais – e com ela os pais novamente tem a esperança em seus corações; a mãe escondendo o rosto dando vazão à sua emoção, e o pai colocando a mão no ombro de sua esposa em encorajamento dos primeiros vislumbres da alegria, que é a de seguir” (Simon Wilson, Tate Gallery: An Illustrated Companion, Londres 1997, p.90).

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Particularmente, esta imagem me acompanhou durante toda a minha formação médica. Acredito também que a de outros. Era uma metáfora significativa dos aspectos intuitivos, do comprometimento, da observação sistemática e reflexão (fletir-se sobre) sobre o paciente, e do médico humano que caminha ao lado e junto, adentra às noites e os lares (simbolicamente ou não), se desdobrando e focando quanto aos cuidados do paciente e sua família, numa medicina artesanal, por uma arte de curar com pílulas e palavras.

Em 1982. British Medical Journal, Mitchell Banks menciona “O que não devemos ao senhor Fildes, por mostrar ao mundo o típico médico, como gostaríamos que fosse mostrado – um homem honesto e um cavalheiro, fazendo o seu melhor para aliviar o sofrimento? Uma biblioteca de livros em nossa homenagem não faria o que esta imagem tem feito e fará para a profissão médica no sentido de tornar os corações dos nossos companheiros calorosamente confiantes e afetuosos para conosco”.

Em 2008, Jane More, menciona no To British Journal General Practice uma leitura de Downie escrita no British Medical Journal“Esta pintura é um retrato eloquente de que se trata a medicina- o médico, o paciente, bem como a qualidade da relação que existe entre eles. O médico está atendendo paciente, observando e esperando – estando lá. Grande parte do impacto da pintura é o espaço entre os olhos do médico e da criança, que é preenchido, unicamente, pelo olhar fixo do paciente” (Downie, 1994). Também cita um trecho de Douglas de 2002 “Assim, sua maneira é tudo, e Fildes o captura para sempre: a testa franzida;a mão apoiada no queixo barbudo; a calma, e a sua preocupação e autoridade na causa” (Douglas, 2002).

Sir Samuel Luke Fildes (3 de outubro de 1843 a 28 de fevereiro de 1927) foi um pintor e ilustrador britânico. Ele trabalhou no jornal The Graphic criando ilustrações e foi pintor de diferentes quadros como os retratos de coroação de Eduardo VII, Alexandra da Dinamarca, Jorge V e Maria de Teck. Formou-se nas escolas de South Kensington e Royal Academy. Ele era neto do ativista político Mary Fildes.

Para esta pintura, Fildes inventou um novo cenário e os personagens de sua pintura, que representassem aquele momento e em 1890 ele fez vários esboços de casa de um pescador em Hope Cove, em Devon. Ele usou esta evidência visual para construir uma réplica da casa de campo em um canto de seu estúdio em Melbury, um caminho para que pudesse experimentar os efeitos de luz da lâmpada enquanto estava amanhecendo para o interior escuro. O médico tem algumas semelhanças com o próprio Fildes. No entanto, ele pode ter usado mais de um modelo para esta figura, sendo sua ambição “registrar a postura do médico do nosso tempo”, ao invés de registrar uma mera semelhança com qualquer um individualmente (The Times marco 17, 1891). A criança foi pintada a partir de estudos sobre a cabeça da sua filha Phyllis e o braço de seu filho Geoffrey, como modelos (Treuherz, p.89). Fildes fez uma série de desenhos para a pintura, seis dos quais são preservados no arquivo Tate. Um esboço revela que a intenção original do artista era colocar o médico no lado direito da tela, observando o rapaz que está sentado em uma poltrona, ao invés de estendidos no chão em duas cadeiras da cozinha. No fundo a posição do marido e da esposa também foi invertida, embora os seus gestos físicos sejam os mesmos que na imagem acabada. A parte mais detalhada deste esboço é a expressão grave no rosto do médico que é o ponto focal na versão final. A composição deste estudo é semelhante a um estudo de óleo menor da pintura que se encontra Packer Hospital Robert em Sayre, Pennsylvania. Por fim, seus estudos conduziram á obra final.

Fildes escreveu a Tate mais tarde, em 1890, para que voltasse a fim de se assegurar sobre o tema da pintura, e acrescentou que “todas as outras questões como a excelência pictórica, e conduta do tratamento não deveriam ser prejudicadas por este esboço – o que tem sido feito vaga e propositadamente para me deixar livre, e entregar-me tanto quanto possível como um artista para o tratamento da imagem de um grande obra – mas não há imprecisão qualquer sobre o assunto, que você possa ver claro o suficiente e isso eu entendo, é o que você primeiramente deseja estar satisfeito com(… )”(TGA 7811.2.25). Quinze dias mais tarde, em uma carta a seu cunhado, o artista Henry Madeiras (1846-1921), Fildes descreveu a reação de Tate ao esboço: “Imagino que estava satisfeito com a ideia e quando eu disse a ele que eu deveria exigir £ 3.000, ele concordou, e cartas foram passadas ​​para o efeito “(citado em Fildes, p.118).

Um ano após a comissão de Tate, The Doctor foi exibido na Royal Academy. Agnews, sendo publicado imediatamente uma gravura que vendeu mais de um milhão de cópias nos Estados Unidos sozinho e se tornou uma das estampas mais rentáveis adaptadas pela empresa. A popularidade da pintura confirma a popularidade do realismo social na arte, e neste momento, e Fildes foi um de uma série de artistas, incluindo Frank Holl (1845-1888) e Hubert von Herkomer (1849-1914), cujas pinturas retratando as dificuldades da vida da classe trabalhadora foram amplamente reproduzidas na revista The GraphicThe Doctor foi uma das cinquenta e sete imagens oferecidas por Henry Tate como um presente para a nação em 1897.

Em 1949 a pintura The Doctor (1891) foi utilizada pela Associação Médica Americana em uma campanha contra uma proposta de assistência médica nacionalizada pelo presidente Harry S. Truman. A imagem foi usada em cartazes e folhetos junto com o slogan, “manter a política fora da imagem”, implicando que o envolvimento do governo na assistência médica poderia afetar negativamente a qualidade do atendimento. 65.000 cartazes de The Doctor foram exibidos, o que contribuiu para aumentar o ceticismo público para a campanha de cuidados de saúde nacionalizado.

Referências e Leitura Complementar:

  1. Albert Rinsler, “The Doctor”, Journal of Medical Biography 1993: 1, pp.165-70, p.166 reproduzido
  2. Alice A. Meyer, “The Doctor”, The Bulletin Guthrie, 43: 4, abril de 1974, pp.155-169, p.161 reproduzido
  3. Birchall, H. 2003  http://www.tate.org.uk/art/artworks/fildes-the-doctor-n01522/text-summary.[visitado em 10 fev de 2015]
  4. Douglas C.Doing better, looking worse. BMJ 2002; 325:720.
  5. Downie RS.The healing arts. Oxford: Oxford University Press; 1994
  6. Julian Treuherz, Hard Times: Realismo Social na arte do Victorian, catálogo da exposição, Londres 1987, pp.86-9, reproduzido p.88
  7. LV Fildes, Luke Fildes RA, um pintor vitoriano, London: 1968, p.114 reproduzido
  8. Moore What Sir Luke Fildes’ 1887 painting The Doctorcan teach us about the practice of medicine today Br J Gen Pract. 2008 Mar 1; 58(548).
  9. W Mitchell Banks. Doctors in literature. 1892;8:787–788.
  10. Wikipedia. https://en.wikipedia.org/wiki/Luke_Fildes.[visitado em 10 fev de 2015]