‘O médico deve generalizar a doença e individualizar o doente.’ (Christoph Wilhelm Hufeland, Médico alemão do século XVIII); ‘Biologicamente e fisiologicamente, não somos tão diferentes uns dos outros; historicamente, como narrativas, somos, cada um de nós, únicos.’
Oliver Sacks, neurologista americano contemporâneo
1 O Impacto dos Transtornos Psiquiátricos
Os transtornos mentais e comportamentais englobam diversos transtornos psiquiátricos, acometendo cerca de 20 a 30% dos indivíduos ao longo de suas vidas. Os transtornos ansiosos são os mais prevalentes. O Brasil sofre uma epidemia de ansiedade com o maior número de pessoas ansiosas do mundo: cerca de 18,6 milhões de brasileiros (9,3% da população) convivem com o transtorno, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Depois dos transtornos ansiosos seguem os transtornos de humor, em particular o transtorno depressivo maior (TDM). Além de altamente prevalentes, os transtornos psiquiátricos são responsáveis por significativa morbimortalidade, representada por ‘DALY’ abreviado da expressão inglesa ‘Disability Adjusted Life Years’, que significa anos de vida ajustados para incapacidade, sendo um indicador indireto de anos de vida perdidos por incapacidade ou por morte prematura. Além disto o TDM, tal como ocorre em outras transtornos psiquiátricos impactam desfavoravelmente o desfecho de outras condições médicas não psiquiátricas comórbidas (isto é, coexistentes), geram um significativo sofrimento para o indivíduo, sua família e toda a sociedade, representando um grande custo econômico social, um problema de saúde pública. Relacionam-se a altas taxas de suicídio, sendo que 36% das pessoas que se suicidaram no mundo apresentavam TDM. Segundo o Dr. Carlos Eduardo Rosa, CREMESP 120.866, especialista em psiquiatria (R.Q.E. 36.983) e em clínica médica e medicina interna (R.Q.E 36.982), “a maior parte dos suicídios estão associados a transtornos psiquiátricos, e representam perdas potencialmente evitáveis se identificadas precocemente e adequadamente manejadas. A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) estima que cerca de 60 pessoas sejam diretamente afetadas a cada morte por suicídios, incluindo família, amigos, e colegas de classe ou de trabalho, retroalimentando problemas de saúde mental nas pessoas mais próximas à uma vítima de suicídio.
Ao se considerar a alta prevalência de transtornos psiquiátricos ao longo da vida, a alta morbimortalidade, a incapacidade, e todo o sofrimento para o paciente, sua família e a sociedade, além de eventos trágicos como os suicídios, Dr. Carlos Eduardo Rosa, convida à um processo de conscientização, redução de estigmas e preconceitos, e à uma busca precoce por ajuda especializada. “Provavelmente, dentro do conjunto de pessoas que lhe cercam, dentro de suas famílias, estendendo-se para amigos próximos, ou os conhecidos de seus filhos, esposas e/ou maridos, de seus pais, colegas de trabalho, de estudo, seus funcionários, ou empregadores, cerca de cerca 20 a 30 % desenvolveram um transtorno psiquiátrico ao longo de suas vidas. O simples ato de se atentar, observar, conversar, sobretudo, com os que transitam por dificuldades na vida, ou demonstram indícios de instalação de um transtorno psiquiátrico, deve mobilizar uma posição honesta, transparente e acolhedora, a promoção de um suporte e apoio ativos, seguidas, sobretudo, pela imediata recomendação da procura por auxílio médico especializado. Cuidados simples, podem evitar que tais quadros evoluam em gravidade e assumam desfechos trágicos, irreversíveis e com pesares consequências”.
Como forma de exemplificação e considerando somente um único quadro clínico psiquiátrico, o do transtorno depressivo maior (TDM), podemos salientar a dimensão de impactos e desdobramentos. Estima-se que o TDM acometa cerca de 20% das mulheres e 10% dos homens ao longo da vida. O sexo feminino é duas vezes mais acometido, sendo que nos Estados Unidos da América (EUA), sendo o TDM a primeira causa de internações não ginecológicas e obstétricas em mulheres na faixa etária de 15 a 44 anos. Alguns estudos alarmantes apontam que condições mentais e comportamentais associadas à gestação e ao puerpério, incluindo o próprio TDM além de outros transtornos psiquiátricos possam ser as principais causa de mortalidade materna na gestação e puerpério. Existem projeções de que por volta de 2020, o TDM seja a segunda, ou mesmo e potencialmente a primeira causa de morbimortalidade e incapacitação, com redução dos DALY em todo mundo, ultrapassando as doenças cardiovasculares, e neoplásicas. Tal a gravidade desta única condição, que o TDM recorrente e grave também foi incluído pela OMS dentre as doenças classificadas de ‘alta gravidade’, ao lado das tetraplegias (perda ou ausência do controle motor dos membros superiores e inferiores) e das neoplasias em estágio terminal.
Muito do prejuízo causado pelo transtorno depressivo está relacionado à sua natureza crônica. O quadro se torna pior ao se considerar a recorrência: cerca de 75% a 90% das pessoas com TDM terão múltiplos episódios ao longo da vida. Cada episódio é mais facilmente desencadeado que o anterior, tendendo a tornarem-se mais frequentes, severos e resistentes ao tratamento com o decorrer do tempo. A presença de sintomas residuais depressivos, que se mantém pela falta da resposta, de remissão e/ou de recuperação, mesmo que sejam posteriores a uma suposta melhora transitória, aumentam o risco de recorrência destes episódios depressivos. O número e a duração dos episódios depressivos prévios predizem recaídas. Cerca de 15-30% dos pacientes, apesar de acompanhamento especializado e múltiplos ensaios com diferentes medicações, desenvolverão quadro crônico sem uma remissão completa. Múltiplos episódios ou um transtorno depressivo prolongado pode até mesmo relacionar-se com alterações cerebrais como por exemplo a perda de volume hipocampal. Além disto tudo, a presença de depressão apresentou os seguintes impactos em outras condições médicas não psiquiátricas: (1) pacientes deprimidos buscam serviços de saúde três vezes mais do que os não deprimidos, aumentando a demanda de atendimento médico de forma geral, indicando também uma vulnerabilidade para a instalação de condições médicas não psiquiátricas; (2) piora da adesão tratamento proposta de outras condições médicas não psiquiátricas; (3) piora o prognóstico em outras doenças, como diabetes, doenças cardiovasculares, insuficiência renal, condições autoimunes e reumatológicas entre outras; (4) acompanha a evolução de condições clínicas crônicas e prolongadas, piorando o seu desfecho; (5) aumenta a prevalência dos denominados ‘agrupamentos de doenças crônicas’ em pessoas idosas, nas quais é, a TDM é a condição comórbida mais frequentemente presente. O Dr. Carlos Eduardo Rosa ressalta, “todas estas considerações foram citadas para apenas uma condição clínica específica, o TDM, sendo que o cenário se torna substancialmente mais preocupante quando consideramos outras condições psiquiátricas”.
2. O Trabalho Clínico em Psiquiatria e Psicoterapia Médica
A psiquiatria clínica, na qualidade de especialidade médica, aborda os transtornos mentais e comportamentais em múltiplos cenários e contextos. Envolve desde a (1) promoção de saúde mental e melhora da qualidade de vida, em conformidade com a definição da OMS, de que “saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades”; (2) a prevenção dos transtornos psiquiátricos; (3) detecção precoce; (4) o atendimento clínico envolvendo a abordagem diagnóstica, o planejamento terapêutico com distintas modalidades de intervenções e monitorização da resposta clínica e do seguimento médico; (5) a manutenção do tratamento, e a prevenção de recaídas; (6) a reabilitação, incluindo a reinserção psicossocial e a laboral em diversas condições que trazem significativo prejuízo. A atuação em psiquiatria clínica torna-se mais complexa e dispendiosa na medida em que se progride da primeira para a última, sendo que quanto mais precoce as intervenções, maior a chance de melhora e menores são as de complicações, recorrências, cronificação e perda de funcionalidade.
De uma forma simplista, pode-se dividir os transtornos psiquiátricos em (1) primários, isto é, uma condição clínica propriamente dita como um transtorno psiquiátrico; ou (2) secundários, que são alterações mentais e comportamentais causados por outras condições médicas, originalmente não relacionadas à saúde mental, ou ocasionadas pelo uso de substâncias psicoativas, ou de medicações que alterem o comportamento. Dr. Carlos Eduardo Rosa comenta “que muitos problemas metabólicos, inflamatórios e infecciosos que ocorrem nas especialidades da endócrino, reumato, infecto, cardio, pneumo, gastro e hepatologia, e oncologia, ou até mesmo o uso de medicações habituais e rotineiras, consideradas como ‘inocentes’, cursam com alterações comportamentais.”. Segundo, Harold Kaminetzky; médico americano contemporâneo, não existem medicamentos seguros. Existem apenas médicos ‘seguros’. Disto decorre a importância de um conhecimento clínico e da necessidade um trabalho conjunto com outras especialidades médicas, que na psiquiatria é conhecido como ‘Interconsulta Psiquiátrica’, ‘Consultoria Psiquiátrica’ ou ainda ‘Medicina Psicossomática’. Outro aspecto importante é a coexistência de condições clínicas, denominada de comorbidades clínicas, sejam de mais de um transtorno psiquiátrico ou de outras condições médicas comórbidas, e que exigem um estudo dos mecanismos neurobiológicos e fisiopatológicos, subjacentes e compartilhados em mais de uma delas. A fisiopatologia é o estudo de funções, estruturas e de vias anormais, ou patológicas de vários órgãos e aparelhos do organismo, em decorrência de um processo de adoecimento, influenciando o funcionamento normal, e determinando as características clínicas, o curso e o prognóstico de uma doença. Em psiquiatria, “as comorbidades médicas, psiquiátricas ou clínicas, são muito mais uma regra do que uma exceção, e costumeiramente se influenciam de forma recíproca. Assim, uma compreensão fisiopatológica possui significativas implicações clínicas, determinando a escolha terapêutica, e a posterior monitorização clínica, além do estudo e seguimento das interações medicamentosas, utilizadas nos tratamentos de transtornos psiquiátricos com as utilizadas as outras condições médicas”.
3. Interconsulta ou Consultoria Psiquiátrica
O Dr. Carlos Eduardo Rosa possui experiência em psiquiatria e clínica médica/medicina interna em centros de referência e de alta complexidade, trabalhando com condições médicas complexas, frequentemente envolvendo a interface de diversas especialidades médicas. Recentemente esteve envolvido na produção e organização de um tratado médico baseado em evidências de caráter internacional ‘Women’s Mental Health: A Clinical and Evidence-Based Guide’, pubicado pela editora Nature Springer®, 2020, sendo responsável por editar e organizar a secção denominada ‘Medical Conditions Affecting Women’s Mental Health’, que aborda a “interface fisiopatológica e as implicações clínicas entre psiquiatria e outras especialidades médicas na saúde mental, e especialmente a da mulher. Na Interconsulta ou Consultoria Psiquiátrica, trabalha-se com as relações e interfaces da saúde mental em psiquiatria e psicoterapia com as especialidades da clínica médica e medicina interna, tais como cardio, pneumo, nefro, infecto, gastro, demato, endócrino e nutrologia, reumato e imunologia, oncologia, geriatria, neurologia, além de outras especialidades médicas como ginecologia e obstetrícia, clinica cirurgia, e anestesiologia, como na clínica da dor. Dr. Carlos Eduardo Rosa menciona “seja no consultório, ou em hospitais gerais ou psiquiátricos, observo constantemente uma complexa interface entre psiquiatria com a clínica médica/medicina interna e a neurologia, que não pode ser negligenciada”. A divisão mencionada previamente entre “primário e secundário” torna-se mais tênue em algumas circunstâncias, porque muitas condições médicas não psiquiátricas e transtornos psiquiátricos compartilham, ainda que parcialmente dos mesmos mecanismos orgânicos subjacentes em processos fisiopatológicos conforme já citado. Além disto, os transtornos psiquiátricos primários são condições multifatoriais que envolvem uma complexa interação entre fatores neurológicos, hormonais, imunológicos e inflamatórios, moleculares, bioquímicos, genéticos, ambientais e desenvolvimentais do indivíduo. Disto implica, que muitos transtornos psiquiátricos possuem uma repercussão sistêmica em todo o organismo, ou seja, possuem desdobramentos que se estendem numa cascata de eventos em todo o corpo. Para exemplificar, o que é sistêmico e multifatorial, pode-se ilustrar o que ocorre na hipertensão arterial sistêmica ou na diabetes mellitus. São condições médicas causadas por uma confluência de múltiplos fatores, com vários desdobramentos, e que acometem diferentes tecidos e órgãos ao longo do tempo e podem apresentar um caráter crônico e progressivo.
Uma implicação destes conceitos, é o de ‘Precision Medicine’, traduzido como ‘Medicina de Precisão’, possibilita o emprego de sofisticados exames e técnicas em situações clínicas de difícil manejo, e refratárias em que se torna imperativo abordar individualmente uma dada condição clínica em um certo organismo, com mais eficácia. Assim por exemplo, tem-se avaliações genéticas, que auxiliam na compreensão do metabolismo e a distribuição de certos medicamentos em um dado individuo, conhecido como ‘farmacogenética’. Há um grande desenvolvimento de novos métodos fundamentando-se na avaliação de outros possíveis marcadores clínicos, biológicos, e de alvos terapêuticos que poderão propiciar um diagnóstico e um tratamento mais preciso de uma dada condição que incide em um determinado organismo.
Obviamente, com tais considerações, tem-se outros desdobramentos. É importante abandonar conceitos e valores antigos e distorcidos. A psiquiatria é uma especialidade médica complexa e em crescente desenvolvimento e importância. E os vários transtornos psiquiátricos não se restringem “apenas ao cérebro”, ou a uma “condição mental”, ou a conceitos abstratos, e subjetivos, alguns dos quais foram historicamente pejorativos, trazendo um estigma doloroso para os pacientes, atrasando a busca por atendimento, deixando-os desassistidos, ou ainda motivando a busca por ajuda com profissionais da saúde e médicos não especialistas no manejo transtornos psiquiátricos complexos, numa tentativa de se evitar o estigma de buscar atendimento ‘por um psiquiatra’.
O Dr. Carlos Eduardo Rosa, desenvolveu seu Doutorado em Ciências Médicas na Modalidade de Investigações Clínicas e Clínica Médica pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, trabalhando com técnicas de neuroimagem e biomarcadores (medidas biológicas que marcam um padrão de eventos) em transtornos neuropsiquiátricos, colaborando com centros de pesquisas nacionais e internacionais, buscando em suas pesquisas tudo que pode ser qualificado e quantificado para auxiliar na detecção precoce, na predição da resposta terapêutica, do curso e da evolução destas condições, para poder influenciá-las favoravelmente em seus desfechos, assim como, em pesquisas em que se procura por novas intervenções terapêuticas. O médico afirma que “respostas neuroendócrinas, padrões alterados de citocinas (substâncias de comunicação entre células), estresse oxidativo, processos inflamatórias, alterações moleculares e bioquímicas podem progredir, de forma a perpetuar e cronificar o quadro, piorando drasticamente sua evolução, seja mediante um manejo clínico inadequado, a perda de adesão ou o abandono do tratamento”. Embora existam uma variedade de condições psiquiátricas, com potencial de resolutividade, e nas quais o seguimento clínico possui um início e um fim, a busca pelo atendimento e manejo precoce por um médico especialista, a manutenção do tratamento para além das crises, das situações agudas ou de maior dificuldade, podem melhorar o curso e o prognóstico. “Infelizmente, ainda nos dias atuais, além da demora pela busca precoce por ajuda, é muito comum a falta de adesão ou o abandono do tratamento tão logo depois que os momentos difíceis e de sofrimento são controlados”.
Outra nova consideração de extrema relevância é a de que alguns transtornos psiquiátricos se manifestam de forma distinta ao longo da vida, de forma que um mesmo transtorno pode se apresentar com diferentes sintomas na infância e na adolescência, na vida adulta, e no processo de envelhecimento. Adicionalmente, existem certas peculiaridades dos transtornos psiquiátricos entre o gênero biológico feminino e o masculino.
4. Saúde Mental da Mulher
A maior parte das condições médicas comportam-se de forma diferente entre a biologia masculina e feminina, com inúmeras diferenças e sutilezas, seja na instalação do período prodrômico, no seu curso e evolução, no prognóstico clínico, ou na resposta terapêutica. Desta forma, um conjunto de cuidados específicos devem ser adotados em todos as condições médicas, sejam elas psiquiatras ou não, que afetam a saúde física e/ou mental da mulher. A próprio psiquiatria também deve, como as outras especialidades médicas, avaliar e estudar a diferença do impacto do gênero biológico nas manifestações fisiopatológicas, psicossocioculturais e clínicas, atentando-se à saúde mental da mulher.
Integrante da Comissão de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental da Mulher da Associação Brasileira de Psiquiatria, membro da ‘The International Marcé Society for Perinatal Mental Health’ e da ‘International Association for Women’s Mental Health’ (IAWMH), o psiquiatra e psicoterapeuta trabalha com a Saúde Mental da Mulher, acompanhando a paciente em diferentes fases de sua vida. “Há uma justificativa para tratar de forma diferente o gênero biológico masculino e feminino”
Em países desenvolvidos, cunhou-se o termo de ‘Psiquiatria de Gênero’ nos estudos de saúde mental demonstrando diferenças nos transtornos psiquiátricos entre gênero biológico. “No meu trabalho, acompanho a mulher em diferentes fases de sua vida, assim como as peculiaridades das alterações mentais e comportamentais que surgem na puberdade e no início da vida reprodutiva, ao longo dos ciclos menstruais, como por exemplo, no transtorno disfórico pré-menstrual; cuidados específicos em condições psiquiátricas e de saúde mental nas diferentes fases da gestação, no parto, no puerpério e na lactação, no que chamamos de Psiquiatria Perinatal”. O Dr. Carlos Eduardo Rosa também trabalha com a denominada ‘Psiquiatria Reprodutiva’, que engloba além da psiquiatria perinatal, os cuidados específicos em situações de infertilidade da mulher e suas alterações comportamentais como consequência do processo de estimulação hormonal na fertilização assistida. Ele também explica que dentro da Saúde Mental da Mulher, também existem cuidados específicos no climatério, em que muitas alterações psiquiátricas podem surgirem ou serem agravadas. “Oferecemos acompanhamento em todas as nuances do gênero feminino ao longo do ciclo da vida, seja na sexualidade, na vida reprodutiva, no climatério e durante a sua terceira idade.”
É de extrema importância que seja desenvolvido um trabalho preventivo nestas diferentes fases da vida da mulher, tanto para pessoas com a saúde mental preservada em que estas alterações podem precipitar o surgimento de problemas psíquicos e comportamentais, quanto para quem já possui alguma condição diagnosticada, sofrendo uma piora do curso e da evolução.
Destaca que uma atenção redobrada deve ocorrer na gestação e no puerpério, tanto por ser uma condição precipitante para mulheres com vulnerabilidade, quanto por potencialmente piorar as condições psiquiátricas já instaladas, além da necessidade de uma discussão meticulosa do uso de medicações na gestação, puerpério e lactação. Um dado alarmante é que cerca de metade dos casais norte-americanos possuem filhos sem um planejamento. Isto pode representar um grande desafio clínico quando estas mulheres desenvolvem problemas de saúde mental nesta fase ou já possuem um diagnóstico prévio, pois os diferentes momentos do ciclo gravídico puerperal, exigirão um prévio planejamento para a gestação. Os cuidados com os primeiros meses de gestação e na proximidade com o parto, no puerpério e na amamentação devem ser ponderadas por muitas informações e discussões do risco versus benefícios do tratamento, além de modificações e ajustes finos de medicações conforme ocorrem mudanças no metabolismo da gestante e da puérpera. Alguns trabalhos científicos chegam a mencionar que os problemas psiquiátricos estejam relacionados direta ou indiretamente como um dos principais causadores de morte materna na gestação e puerpério, e quando graves, podem levar ao suicídio materno, óbito fetal, e neonaticídio. No entanto, a possibilidade de gestar e cuidar de um filho traz um grande significado existencial e gratificação para mulher em sua vida, sendo este processo possível, mesmo em condições psiquiátricas, desde que ocorra um planejamento e uma assistência próxima por especialistas da saúde qualificados na saúde mental da mulher.
Apesar da extensão, importância, e impacto da temática em decorrência da alta prevalência dos transtornos mentais e comportamentais na população em geral, em especial na mulher, além de crescente respaldo científico e da experiência clínica acumulada nesta área em todas as práticas de saúde em geral direcionadas à mulher, muitos destes aspectos são subdiagnosticados, perdendo-se a possibilidade de janelas de cuidados preventivos, promoção de saúde, de intervenções precoce, e tratamentos efetivos. Citamos, a título de exemplo, a gestação e no puerpério. No período gestacional, muito do enfoque médico ocorre no binômio “mãe-filho”, sem os devidos cuidados com a saúde mental da gestante, seu parceiro, e família. Muitos fatores colaboram para que um diagnóstico psiquiátrico precoce não seja realizado: (1) a quebra da expectativa da mulher em ser mãe, sobretudo mediante uma pressão e condicionamento socio cultural em que deva ser ‘feliz’ por estar gestante, ao passo em que sente-se desconfortável, em sofrimento psicológico, mesmo adoentada; (2) o mito de que a gestação seja protetora para a saúde mental da mulher; (3) a superposição entre algumas queixas e mudanças corporais próprias da gestação com alguns sintomas clínicos psiquiátricos que tangenciam sintomas depressivos e ansiosos; (4) o enfoque exclusivo de cuidado no binômio ‘mãe-filho’; (5) desconhecimento de profissionais da saúde quanto aos transtornos mentais e comportamentais na gestação e puerpério A confluência destes fatores, entre outras condições, permite que alguns quadros psiquiátricos se iniciem de forma insidiosa, e progridam silenciosamente, tornando-se mais aparentes e mais graves durante o pós-parto, quando aumentam as demandas psicossociais sobre a mulher, perdendo-se um grande tempo para a intervenção.
5. Considerações sobre a abordagem e o manejo dos transtornos psiquiátricos
Por todas estas razões é importante que a abordagem em psiquiatria clínica, exclua e realize o diagnóstico diferencial de outras condições médicas gerais não psiquiátricas e/ou uso de medicamentos que alteram o comportamento, sendo indispensável a monitoração das comorbidades clínicas, dos aspectos metabólicos, das interações medicamentosas, seja em diferentes fases da vida, ou nas peculiaridades entre o gênero masculino e o feminino. “Trata-se de uma abordagem médica detalhada, com a obtenção de uma história clínica minuciosa, exame físico completo, um meticuloso exame do estado mental, aplicação questionários, escalas e instrumentos de avaliação diagnósticos consagrados, e quando necessário a realização de exames subsidiários e complementares. Além de uma prática médica, trata-se de uma arte”. Peter Mere Latham, médico e educador britânico, responsáveis pelos cuidados da Rainha Victoria e que viveu entre 1789–1875, traduzia a dificuldade do exercício clínico que se busca: ‘A saúde perfeita, assim como a beleza perfeita, é uma coisa rara – assim como a doença perfeita’, ou ‘diagnosticar uma doença é frequentemente fácil, frequentemente difícil, e frequentemente impossível’
Deve-se considerar que há uma extensão para além do biológico, pois certamente no campo da saúde mental e da psiquiatria, somam-se também outras variáveis como as dimensões familiares, afetivas, sociais, laborais, culturais, e noética (conceito filosófico, que em linhas gerais define a dimensão espiritual do homem), entre outras tantas em conformidade com o ciclo da vida humana, além de aspectos psíquicos, comportamentais, cognitivos, interpessoais e existenciais. Segundo o médico, que também possui formação em mais de uma abordagem psicoterápica, “tais aspectos exigem uma abordagem multidimensional, desenvolvimental e personalizada, sendo necessário avaliar todos os campos de suas manifestações para além do orgânico, como nos planos psíquicos, cognitivos, comportamentais, existenciais, o sofrimento objetivo e subjetivo, os prejuízos funcionais, o curso e a evolução clínica de uma forma seriada e longitudinal”. Acrescenta, “indispensável também analisar o contexto histórico e atual, e ambiental, os fatores precipitantes (os prováveis gatilhos) e os que corroboram para a manutenção do quadro (mantenedores), o balanço entre fatores protetivos e de agravo, de enfrentamento e resiliência versus os de quaisquer outras vulnerabilidades, e sua relação com as diversas esferas da vida humana mencionadas acima. Imperativo que se pondere sobre os aspectos de personalidade, temperamento e repertório comportamental do paciente. Deve-se ainda refletir analiticamente sobre o papel funcional que sintomas clínicos representam para o paciente e sua família. A formação psicoterápica possibilita ao psiquiatra tais sutilezas na abordagem clínica, em uma perspectiva que observa e intervém no desenrolar de uma condição médica biológica impactando uma pessoa com sua narrativa vivencial, histórica, e em um determinado meio e contexto, com suas condições e recursos internos”.
Interessante notar que tal abordagem se enquadra dentro do conceito e de um movimento denominado de ‘slow medicine’, traduzida para o português como ‘medicina sem pressa’, possível na maior parte das consultas. Este movimento busca equilibrar a ênfase exagerada em processos rápidos, automatizados e protocolares, o uso indiscriminado de exames, tecnologias e intervenções desnecessárias, frequentemente causadoras de iatrogenias, com um potencial de redução da qualidade de atendimento médico. Prioriza a relação médico paciente permeada pela sobriedade, respeitabilidade e justiça, nos princípios da segurança, uso parcimonioso de exames, da tecnologia e intervenções, da humanização, da paixão e compaixão, sendo centrada na pessoa do paciente, e realizada de uma forma ponderada, individualizada, utilizando-se não apenas conhecimento médico, mas também a intuição do clínico. Propicia uma instrumentalização do paciente e de sua família com informações, cujas decisões e participação no planejamento terapêutico sejam respeitadas dentro princípio de sua autonomia. Agrega-se valor e qualidade ao atendimento clínico, ainda que às custas de um maior tempo de atendimento. Importante salientar, que diferentemente do que muitos entendem ou pensam, a adoção de uma postura ‘slow’ não é contrária aos avanços da medicina ‘fast’, considerando que o emprego de conhecimentos científicos de forma rápida, sistematizada e padronizada, seguindo o emprego de algoritmos, o uso de tecnologia e exames para a tomada de decisão diagnóstica e clínica, permitiu ganhos imensuráveis para pacientes, sendo a postura ‘fast’ indispensável a alguns cenários clínicos que demandam pelo tempo como em emergências e contextos hospitalares. Desta forma, segue o lema “Ser FAST quando é preciso ser FAST, ser SLOW quando é preciso ser SLOW”.
Posteriormente, deve-se prover informações, orientações minuciosas, além de discutir o quadro clínico, as possibilidades diagnósticas, o risco versus benefício, e o custo versus efetividade das propostas terapêuticas individualizadas, que englobem todas as questões envolvidas numa sábia ponderação, em que o paciente e/ou sua família participem de maneira consciente e devidamente informados. Finalmente, com o consentimento do(s) mesmos, e num processo de aliança terapêutica, devem-se somar esforços para um tratamento adequado, com um compromisso de mudança e uma monitorização da evolução clínica. As possibilidades terapêuticas são amplas, e incluem (1) intervenções farmacológicas; (2) psicoterápicas na dependência da condição clínica, seja no formato individual, de casal, familiar, e/ou em grupo, ou com acompanhante terapêutico (uma modalidade específica de psicoterapia extraconsultório); (3) intervenções ambientais, que variam de aconselhamento, orientações, mudanças no estilo de vida, manejo de contingências, resolução de problemas, à promoção ativa de suporte e apoio psicossocial, familiar, laboral e espiritual; (4) recursos adicionais em conformidade com a situação clínica, tais como o envolvimento de nutricionistas, educador físico orientando atividade física, fisioterapia especifica, fonoaudiologia, cuidados odontológicos específicos com saúde bucal, e mesmo na odontologia do sono, entre outros que possam ser necessários; (5) avaliação de outras especialidades médicas para manejo situações clinicas gerais; (6) ou mesmo procedimentos de neuromodulação não invasiva para casos seletos. Segundo Dr. Carlos Eduardo Rosa, que possui experiência em Neurociências Clínicas, Neuropsiquiatria e Neuromodulação em diversos centros de referência, atuando junto a equipes na cidade de São Paulo “a neuromodulação engloba um conjunto de técnicas oriundas da física médica, desenvolvidas pela engenharia e medicina, fundamentadas nas aplicações de campo elétrico e/ou magnético sobre o sistema nervoso, e que possuem alto grau de evidência para diversas condições, sendo empregados na prática clínica de forma crescente, buscando estimular e/ou inibir certas áreas cerebrais, obtendo-se resultados terapêuticos”. As mais populares em neuropsiquiatria são a ‘Estimulação Transcraniana por Corrente Continua’ (abreviado de ETCC, ou no inglês, ‘tDCS’), a ‘Estimulação Transcraniana Magnética Repetitiva’ (abreviado de EMTr, ou no inglês de ‘rTMS”), e ainda ‘Eletroconvulsoterapia Contemporânea’ (abreviado como “ECT”) realizada em ambiente cirúrgico ou em leito de terapia intensiva, junto a anestesista, o intensivista e o psiquiatra, com suporte e monitorização clínica intensiva. O primeiro e o segundo métodos que possuem poucos efeitos colaterais, são indolores, e relativamente tolerados, sendo utilizados para substituir o uso de psicofármacos quando, por exemplo, o paciente não tolera a medicação ou se incomoda com seus efeitos colaterais, ou simplesmente se opta por não querer mantê-la de forma crônica em alguns quadro. Também são utilizados concomitante às medicações em quadros moderados, a graves para potencializar os efeitos do tratamento em situações de resposta mais lenta, parcial, propiciando otimização terapêutica. Já a ECT exige anestesia, e uma maior complexidade de cuidados, sendo extremamente útil e efetiva para situações de maior refratariedade quando realizada por profissionais experientes que dominam seus conceitos teóricos e práticos.
É preciso ponderar que apesar de todas as intervenções mencionadas e disponíveis, que o seguimento psicoterápico é benéfico e indispensável em muitos casos, mesmo com o uso de medicações e da neuromodulação, pois aborda a esfera ‘da pessoa que transita e se relaciona no mundo’. O psiquiatra e psicoterapeuta explica que a “psicoterapia é indicada para auxiliar o paciente em pequena ou grande escala no sofrimento psíquico e existencial. Quando há alterações comportamentos disfuncionais, necessidade de resolução de conflitos emocionais, no autoconhecimento, expansão de recursos internos e desenvolvimento pessoal, além da variabilidade do repertório comportamental conferindo maiores vantagens de adaptação para um ambiente interno ou externo constantemente mutável”.
Por fim, em psiquiatria clínica, muitos casos podem ser manejados em regime de atendimento ambulatorial (consultório), outros em regime de hospital dia, que são instituições de saúde onde o paciente permanece parte do dia junto à uma equipe multidisciplinar e envolvido em atividades terapêuticas. E nos casos de condições psiquiátricas severas, comorbidades médicas e riscos associados, em situações clínicas agudizadas e de difícil manejo, pode ser necessário a indicação de regime de hospitalização integral, seja em hospitais gerais ou psiquiátricos.